Deixem os professores doentes trabalhar

Deixem os professores doentes trabalhar

Caro leitor,

Há dias, publicámos uma reportagem com vários testemunhos de professores que, encontrando-se fisicamente debilitados, querem ainda assim trabalhar, com horários ou funções adequados às suas limitações.

Alguns reclamam uma consulta de medicina do trabalho onde um médico especializado avalie que adaptações deve a escola fazer para os receber.

Outros já foram avaliados, mas queixam-se de não ver cumpridas as orientações que o médico deixou expressas. Há mesmo quem acuse os directores das escolas de se substituírem aos médicos e fazerem tudo para empurrar estes professores… para casa.

O acesso à medicina do trabalho é um direito dos trabalhadores. Consultas anuais para quem tem mais de 50 anos. Consultas de dois em dois anos para os restantes. Consultas após um período de baixa médica, por doença ou acidente, que avaliem a aptidão para o trabalho. Mas em muitas escolas públicas não tem sido assim.

Nos testemunhos e na muita documentação que me foi chegando nas últimas semanas, de professores, médicos, escolas, entidades públicas, fica claro que a generalidade das pessoas desconhecem que, nas escolas, o acesso à medicina do trabalho não é a regra. Os próprios directores escolares parecem, nalguns casos, entender que este direito consagrado é, na verdade, dispensável.

Olhe-se para este email, um de muitos que nos chegaram, de um director, dirigido a uma professora que lhe pediu que marcasse uma consulta: “Já pedi orientações à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. Como sabes, embora obrigatório, este procedimento não tem sido cumprido no âmbito da nossa classe! Presumo que ao longo da tua carreira nunca tiveste tal consulta e é curioso que não te tenhas preocupado com a mesma ao longo dos dois anos que cá passaste. Mas é a vida.”

Outro director respondeu por email a uma docente que a insistência dela em ter acesso a uma consulta se deverá a um “comportamento obsessivo” que, certamente, lhe será diagnosticado quando for avaliada.

Uma associação de professores chamada Associação Jurídica Pelos Direitos Fundamentais (AJDF) nasceu essencialmente para tratar de casos destes. Tem-se desdobrado em reuniões com diferentes entidades, incluindo Ministério da Educação e Direcção-Geral da Saúde.

Também já escreveu aos grupos parlamentares, mas como se tem percebido de forma cristalina nesta campanha eleitoral, os temas relacionados com a educação e as escolas, sejam eles quais forem, estão longe de ser interessantes (o silêncio é, aliás, ensurdecedor).

O ministério reconhece que há um problema, e fez saber ao PÚBLICO que “estão em desenvolvimento procedimentos de contratação para aquisição de serviços médicos para realização de juntas médicas e de serviços de segurança e saúde no trabalho” nas escolas que tutela.

Também diz que cabe às escolas marcar consultas. E que elas podem requerer verbas para as pagar.

E também diz que as “recomendações” que saem das consultas “se revestem de obrigatoriedade”, mas a palavra “recomendações” tem criado algum ruído.

Certo é que há centenas de queixas de professores e pedidos de informação de directores em apreciação pelos serviços da tutela.

E há, entre um número difícil de calcular de docentes, um sentimento de enorme frustração. Num país onde milhares de alunos ficam todos os anos sem aulas por falta de profissionais, há muitos que “estão de atestado de longa duração, outros de licença sem vencimento, outros com atestados recorrentes e intermitentes ou por acidente de trabalho, e ainda outros que ponderam abandonar a docência, pois não estão com saúde para cumprir toda a carga de serviço que é exigida”, diz Paulo Ribeiro, que lidera a AJDF.

Mais um testemunho de uma professora, que chegou à associação: “Tenho uma Imunodeficiência e faço um tratamento doloroso todas as semanas e várias doenças crónicas. Foram-me atribuídos Serviços Moderados Definitivos, os mesmos já me foram retirados, razão pela qual ainda não fui trabalhar este ano lectivo, e agora não sei o que se segue. Requeri Medicina no Trabalho na secretaria da escola, não consigo aguentar as 22h lectivas.”

Estima-se que Portugal vá precisar de 30 mil docentes até 2030. Os que estão nas escolas estão envelhecidos e isso explicará uma parte do absentismo que se regista.

O primeiro estudo que aborda o tema foi publicado em 2024. Coordenado pela investigadora Isabel Flores mostrava, como relatava a jornalista Clara Viana, que todos os dias se ausentam, em média, 11.000 professores. Mas com um detalhe importante: “10% dos professores são responsáveis por 80% dos dias de falta”, algo como 12 mil docentes “que faltam 30 dias ou mais por ano e que o fazem, quase na totalidade, por doença continuada”.

Perante este cenário, aumentar o número de professores ao serviço, tomar medidas para diminuir o absentismo, acolher os que podem ainda ser úteis, e o querem ser, é, em primeiro lugar, um direito dos trabalhadores, mas é, também, uma questão de boa gestão.

Newsletter de Educação do PÚBLICO – 8 de maio de 2025
Andreia Sanches

Fonte: https://www.publico.pt/2025/05/08/newsletter/educacao

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